José Mendes
15 Junho, 2016

Floresta Arco-íris

Alguns amigos meus no Facebook têm-se indignado pela falta de reações ao massacre de Orlando. Para eles isso é o reflexo do preconceito. Talvez tenham razão, mas estão apenas a olhar para a árvore, sem ver a floresta.
De facto não há frases nem há fotos. Mas onde estão os designers que criam essas frases e fotos virais como o “Je Suis Charlie”? Perderam a inspiração? E porque será que o Facebook, desta vez, não promoveu a alteração da foto de perfil com um colorido arco-íris, como aconteceu no passado com a bandeira francesa ou belga?
Às vezes esquecemo-nos que as redes sociais são também espaços organizados onde trabalham máquinas de propaganda, criando campanhas. Esse esquecimento leva a que não nos interroguemos porque é que desta vez estas máquinas ficaram em silêncio. Quanto muito, os mais atentos talvez associem este silêncio ao preconceito, fechando assim o círculo de reflexão. Podemos, no entanto, supor outra razão.
Este massacre parece evidenciar um ataque do Estado Islâmico nos Estados Unidos da América. Eu digo “parece” porque, apesar de ter sido reivindicado pelo Estado Islâmico, pode ser oportunismo do grupo terrorista a capitalizar sobre um acto de um individuo isolado, ainda que simpatizante dos terroristas.
Na verdade, do meu ponto de vista, era ‘melhor’ para o governo norte-americano que o autor do massacre fosse um fanático tresloucado, do que um elemento de uma acção organizada e patrocinada pelo Estado Islâmico. Sobretudo porque serviria para mais uma vez combater o lóbi das armas que tradicionalmente apoia os republicanos. Por isso os media andaram no inicio às voltas com esse cenário mas, como vimos com o governo de Aznar, após o atentado em Espanha, nem sempre o que se deseja acontece.
Este massacre é particularmente incómodo para o governo norte-americano porque – sim o preconceito – divide os americanos. Por um lado aqueles que ficaram profundamente chocados com a morte de 50 pessoas, e pelo outro os que ficaram muito mais chocados pelo facto de um estrangeiro – ainda para mais muçulmano – vir à América fazer a justiça divina pelas suas mãos.
Esses são os que aplaudem o entusiasmo de Donald Trump quando gritou “eu avisei!”, ao passo que os lamentos de Obama e Clinton representam apenas os limpar as mãos à parede de um governo incapaz de defender as vidas dos norte-americanos. E este é o segundo ponto sensível do massacre para o governo de Obama.
Com efeito os EUA alertam regularmente para os seus parceiros europeus para o risco de atentados, sublinhando ter informações seguras da probabilidade deles acontecerem, mas neste caso parece que foram incapazes de prever a mesma situação na sua própria casa. Aliás, os norte-americanos foram muito críticos ao funcionamento dos serviços de informações e de segurança europeus, particularmente pelas falhas evidenciadas pelas autoridades belgas e francesas. Todavia, também neste caso, o autor do massacre já era conhecido e estava identificado pelas autoridades norte-americanas.
Com tanto “telhado de vidro” o governo norte-americano quererá que o acontecido seja rapidamente esquecido, enquanto procurará pôr ordem na casa e fazer rolar cabeças nos serviços de informações. Já os republicanos – e particularmente Donald Trump – desejam que passe rapidamente este período de luto, para poderem usar livremente, e sem preconceitos, a munição de propaganda contra os estrangeiros – e não apenas contra a comunidade muçulmana – sem que isso cole os conservadores do “bible Belt” ao universo gay norte-americano.

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