ActualOpinião
31 Maio, 2019

Alguém viu o botão do (dis)like?

Margarida Batista é aluna do Mestrado de Média e Sociedade do Instituto Politécnico de Portalegre.

Fui espreitar o mais recente reality show da TVI e até agora tenho mais dúvidas do que certezas…

Like Me estreou na segunda-feira e juntou dez micro influenciadores numa casa, ao estilo de outros reality’s, mas desta vez com “anónimos” aspirantes a influenciadores (chamo-lhes assim porque gozam já de uma certa popularidade nas redes sociais).

O conceito do programa é simples: os concorrentes entram sem telemóvel, não podendo aceder às suas redes sociais, e apenas devem publicar conteúdos nas redes sociais do programa, utilizando para isso telemóveis dados pela produção. Da soma do número de likes obtidos com essas publicações, os concorrentes serão avaliados e os menos votados ficarão em risco de sair da casa.

Rúben Rua e Laura Piovani são os apresentadores deste formato que pretende unir o digital à televisão, explicaram durante a estreia. Ana Garcia Martins, mais conhecida por “A Pipoca Mais Doce” e autora do blogue com o mesmo nome embarcou também neste desafio, onde assume o papel de coordenadora/avaliadora dos concorrentes, servindo-lhes ainda de inspiração (dizem eles).

Não consigo deixo de reparar nos diferentes significados do nome do programa. Primeiro, porque faz a analogia entre os likes que compõem a essência das redes sociais e a ideia de que os influenciadores são pessoas que estão ao alcance de todos, o que não acontecia com as chamadas figuras públicas. Segundo, porque deixa uma espécie de dica: “gostem dos meus vídeos e fotos! Like Me”, que é a essência daquele formato televisivo.

Apesar de ainda estarmos na primeira semana de emissão já foi salientada várias vezes a ideia de que o programa servirá, no caso dos concorrentes, para aprender a ser influenciador. No nosso caso, telespetadores, será apenas mais um programa de entretenimento que pouco ou nada nos acrescenta. Do ponto de vista da captação de audiência, sobretudo do público mais jovem, é interessante e possivelmente uma boa jogada (Possivelmente. Tenho as minhas dúvidas quanto a isso). Do ponto de vista da aprendizagem sobre o mundo dos influencers parece-me que os frutos não serão muitos.

A exposição e a perda de privacidade inerente a este tipo de formatos televisivos é evidente, mas com isso os concorrentes parecem lidar bem. Afinal, são “pessoas públicas” das redes sociais.

Do pouco que se viu até agora, os concorrentes já criaram os primeiros conteúdos, já avaliaram “A Pipoca Mais Doce” e já participar nos habituais jogos, típicos dos reality shows. Sim, aqueles em que alguém não é escolhido e sofre as consequências. Resultado: logo no primeiro dia, dois dos concorrentes tiveram de dormir juntos. O burburinho foi mais que muito, numa casa onde já se conspira sobre os futuros casais do programa. Esperem lá… mas isto não era um programa sobre influencers? Pois… até agora muito pouco se viu ou ouviu sobre o que é ser influenciador, à exceção daquele cliché do “estou aqui para mostrar que não é assim e que ser influenciador é mais do que isto”.

Muitos dos que ali estão (quase todos, na verdade) têm muito pouco de influenciadores e isso viu-se claramente na cara de Ana Garcia Martins durante a avaliação aos mesmos. Pareceu-me que eles eram somente muito populares pelo número de seguidores que têm. Mas quantas pessoas não terão o mesmo número de seguidores e não estão ali? Qual foi o critério de seleção daquelas pessoas?

Muitos falaram em problemas do passado, como a obesidade ou a anorexia, e até a falta de inteligência emocional para construir uma família. Todos têm uma história para contar, é certo, mas estas escolhas não foram à toa. Uma vez mais, esta exposição pessoal serve de isco para sensibilizar o telespetador, que procura nos concorrentes as suas próprias histórias de vida. Uma vez mais, estas histórias alimentam a identificação com o outro, “humanizam” a relação entre ambos, como explicou Piovani, gerando uma “empatia” com o concorrente, ainda que à distância.

Palpita-me que ali não haverá assim tanto tempo e espaço televisivo para o que realmente importa: a missão do influenciador e a forma como este pode criar conteúdos viáveis para o seu público. Parece-me que será apenas mais um formato televisivo. Um formato diferente, mas igual a tantos outros.

Haverá exploração de emoções, como sempre acontece, e aqui será pela competição, medida pelo número de likes, um indicador que tem tanto de importante como de enganoso.

Na maioria dos casos, o número de reações é gerado pela popularidade da pessoa e não pela importância e significado do seu conteúdo. Uma foto de alguém poderá ter o mesmo alcance que uma campanha de solidariedade e ainda assim ter o dobro das reações por ser um conteúdo leve e que todos gostam de ver. Quando se trata de consciencialização é, por norma, mais difícil obter feedback. Já com a nudez, a situação inverte-se e Laura Piovani frisou isso no primeiro programa (menos mal).

Influenciar significa potenciar algo. Criar ou acrescentar valor a uma dada marca (institucional ou comercial). O termo ainda não é consensual para muita gente, pois o ato de influenciar ainda é visto como algo negativo. Por isso é que é tão importante mostrar que essa influência também pode canalizar aspetos positivos e benefícios para o público.

A ideia ali é somente produzir conteúdos populares, na tentativa de chegar à final.  Aqueles conteúdos não influenciam, apenas procuram visibilidade e não nos mostram o verdadeiro propósito de ser influenciador. Ser influencer não é só ter popularidade. Nasce daí, mas não se esgota nesse fator e é pena que o programa não esteja a trabalhar nesse sentido.

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