Júlio IsidroOpinião
16 Janeiro, 2017

Usado em bom estado

Faço a 16 de Janeiro, 57 anos de televisão.
A única prova da minha estreia está num cartão do meu pai colocado discretamente na minha mesa de cabeceira naquela noite inesquecível.
Sou o mais antigo profissional de televisão do país, em actividade. Nesta efeméride assinalo apenas as memórias de tantas horas de trabalho, tantas debaixo dos holofotes e muitas mais a escrever guiões que deram programas.
Estou usado, ainda em bom estado, muito melhor dentro da cabeça do que no invólucro, antigo mas não antiquado, cada vez mais consciente da responsabilidade dos meus actos à frente das câmaras e também na minha postura enquanto cidadão.
Considero que neste ofício, a antiguidade não é um posto – não sou mais do que outros só porque ando por cá há mais tempo – mas continuo à espera que me demonstrem o que é fazer televisão moderna.
Enquanto certa linguagem e outros heterodoxos valores educacionais e humanos, não forem aprovados nas escolas como regra a seguir, continuarei na “velha” escola de fazer o culto da elegância, do humor suave e de uma forma discreta de me assumir como figura televisiva.
Não tenho o direito de ser intruso na casa dos outros e custar-me-ia ser expulso com um toque do comando à distância
Se calhar sou apenas o aluno pouco dotado mas que estudou muito para fazer o curso. Decerto que há gente com muito mais talento, até talvez génios, mas a inspiração só vale a pena quando nos bate à porta e estamos a trabalhar.
Sei que fiz a minha vida sem conflitos, nem escândalos públicos, para alguns a única possibilidade de alimentarem a chama da fama.
Também sei que não semeei intriga, não concorri com deslealdade face a terceiros e tenho trabalhado com muita gente nova com quem me relaciono muito bem, um arremedo de “tio” acarinhado.
O resto, é o vosso juízo sobre o que tenho feito, bem, mal, assim-assim, mas o meu melhor possível.
Fui buscar uma foto com o tempo desse tempo, em que estou a apresentar o Programa Juvenil da RTP. Comigo está o professor Lobo Antunes que já não esteve no lançamento das minhas memórias, a actriz Maria Cabral que vive em Paris, o advogado e grande amigo Luís Laureano Santos e outro colega que de costas não identifico.
Saudades? Só do futuro.
Estou como certos carros: Usado em bom estado, com as revisões quase normais, os faróis focados no mundo, a suspensão reage com dor a alguns solavancos da vida, a gastar pouco combustível e mais água, os estofos um pouco puídos, mas sem buracos, os pneus ainda não carecas e capazes de alguma quilometragem.
E a busina sempre pronta a apitar porque a indignação deve-se fazer ouvir.
A pintura não brilha como já brilhou, mas longe de estar baça.
Só com uma diferença nesta analogia: Não estou à venda!
Agora vou começar a minha festa de anos …a trabalhar.
Obrigados a todos, todos mesmo!

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