Fernanda SesifredoOpinião
31 Dezembro, 2016

Nada sossega em mim (nem a dormir durmo)

Se tudo isto é febre em mim deixá-la ser porque não só não causa dor no corpo como me dá o que desejo de fora para dentro, de dentro para fora e de dentro para dentro.

Se é febre deixá-la ser. Por mais que seja acometida por maleitas com gume bem afiado, nunca tenho febre mas dizem que é chato tê-la e, no limite, a razão perde-se em coisas que tomam formas estranhas e se sussurram coisas sem nexo.

Delírios, dizem alguns. Falta-me saber da febre para perceber se vivo dela, mesmo que se deslize no meu corpo sem vontade nem força para me sobreaquecer o sangue.

Às vezes sinto que a tenho, outras vezes não, e gostava que sem me magoar se assanhasse violentamente em mim para lhe conhecer os rostos que oferece a quem se dá e o tamanho da ilusão que vai buscar ao inferno.

Se da última vez que tive febre, lá na pequenez, ela ficou neste corpo sem mais dar sinal ardente então só me falta não ter febre para saber a outra em mim: o que na verdade não importa porque sei que a pequena Fernanda iria balizar os sonhos que a febre me deixa realizar.

Devaneios, dirão uns. Bom senso, dirão outros. E outros ficarão calados com medo de falarem porque ainda se questionam se vivem ou não num estado febril.

Que seja febre, porque é força que ergue ou reergue e não se esgota no meu corpo e pensamentos. Que seja febre porque não anula a minha avidez pela vida nem me leva onde não quero ir. Que seja febre desdobrada em estranhas coisas que vejo e sinto mesmo que os outros não percebam como o invisível se mostra e se manifesta para mim e em mim.

Que mais dá se tiverdes febre e o corpo não doer? Não será a realidade mais doce quando o sangue aquece sem fervilhar e a razão a cobre de encanto, tal companheira desse calor? Será o estado febril a tal realidade que vive fora de tantos corpos que só sob o seu efeito sussurra com nexo e o que é estranho não o é? Se tudo isto é febre em mim deixá-la ser porque não só não causa dor no corpo como me dá o que desejo de fora para dentro, de dentro para fora e de dentro para dentro.

E é assim que me sinto em liberdade e sem amarras que me prendam onde não há nada nem nada acontece. É isto que sou, mesmo quando à luz das invioláveis regras apregoadas nos cortejos sociais ornamentados com vaidade e pouca humildade e onde muita gente segue errante, tudo o que sou agindo, falando e escrevendo pareça incompleto, incorreto, pouco razoável. Não é fácil seguir tal cortejo quando esta febre que me acomete amiúde me veda a vontade de nele seguir. Tudo isto que sou é o que é, sabe bem e ainda, parece-me que sim, tenho consciência e lucidez que baste para não mentir a mim própria ou jogar fora os meus princípios.

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