São 10 da noite e até a noite se atrasou. Raia um sol contundente e três dos vinte membros já chegaram à reunião que estava marcada para as vinte para as oito. Ali, como acontece em todas as sessões, um grupo de atrasados compulsivos desabafa sobre a sua condição. Muitos deles já perderam empregos, outros amigos, outros apenas relógios. Em comum, têm a incapacidade de comparecer a horas em qualquer lugar, em qualquer circunstância.
Manel, um dos membros já presentes, chegou ao parto da sua mulher quando já era avô. Maria, a filha de Manel, está também presente – ela que tem uma dependência incorrigível por maquilhagens e chega sempre aos eventos quando todos os outros padecem de uma inebriante ressaca.
José prepara o seu testemunho quando o telefone toca – do outro lado soa Matilde presa do trânsito – e quase se consegue imaginar como gesticula enquanto diz que chegará atrasada. José não lida bem com a interrupção e perde-se no raciocínio – na verdade é apenas atrasado mental e está na reunião errada, mas foi o primeiro a chegar.
Entretanto acabou o jogo do Benfica e chegaram mais três membros que se desculparam com o excessivo tempo de compensação concedido pelo árbitro. Depois chegou o árbitro que tinha ido buscar Matilde a casa. Depois chegou um tipo que assumiu ali a paternidade do filho de Maria.
Alguns não chegariam ou porque se deixaram dormir ou porque ainda não se deitaram, outros chegariam bem mais tarde porque lhes dá um prazer secreto e especial saber que os outros esperam por eles.
Outros que vomitam pontas de ego por cada poro aludem vaidosos, ao preenchimento da sua agenda e aos quatro ou cinco compromissos onde marcarão presença antes desta reunião. Esses, raras vezes aparecem. Na verdade, a reunião é apenas mais um rabisco na agenda, um pretexto para dizer aos amigos que não comparecerão, seja qual for o convite. Alguns destes são os que se deixaram dormir. Outros são apenas inúteis, outros apenas pretensiosos.
Depois de cada um apresentar os seus testemunhos, é hora da reflexão. Serafim, o orientador da reunião, que em tempos trocou um pacemaker por um relógio suíço, pega na palavra e tece a consideração final:
“Cada vez que um de vós se atrasa, faz com que a pessoa que espera perca também o seu tempo, perca entusiasmo e perca vontade de estar convosco. Não assumam o tempo como sendo todo vosso, não queiram essa responsabilidade e acima de tudo, respeitem quem não deve esperar – seja o vosso chefe, o vosso amigo ou o vosso familiar. O tempo é dinheiro e há dívidas que não se pagam”.
A reunião findou.
Mais tarde chegou mais um elemento. Encontrou a sala vazia e voltou para casa onde tinha as malas à porta. Nas reuniões seguintes chegou a horas.
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