ActualCarlos PepêOpinião
25 Junho, 2017

Meu querido Portugal

Foram horas trágicas as vividas em Pedrogão Grande, vidas perdidas pela inoperância de um pais inteiro. Todos somos Portugal e bem o vemos na hora de encher armazéns com roupa e bens alimentares, mas não somos capazes de nos unir para exigir que isto nunca mais aconteça.

A portugalidade é um desígnio, uma forma de ser e de estar no mundo. Todos vemos, sentimos e vivemos a nossa casa comum segundo as nossas experiências enquanto gente e enquanto povo. Temos sentimentos muito nossos e somos um povo solidário e unido que demonstrou e demonstra ao longo dos tempos a fibra que nos carateriza. Somos especialistas em superar adversidades e temos sempre lutado pela nossa identidade, mas sempre que sucedem acontecimentos trágicos como os incêndios da semana passada, refletimos com sentimentalismo sobre as crónicas anunciadas e com as quais continuamos a destruirmos por dentro.

A ameaça nacional é um desígnio interno, estará ela também no nosso ADN?

Somos nós próprios a principal ameaça à nossa soberania e é percetível nesta tragédia dos incêndios, na corrupção, nos jogos de interesses ou ainda na entrega das nossas riquezas e recursos a exploração dos grandes grupos internacionais. Somos nós, portugueses, que temos destruído um pouco daquilo que nos carateriza. Somos um povo de brandos costumes onde tudo tem uma desculpa e tudo é desculpável. Talvez porque todos contribuímos um pouco para esta fraqueza de género.

Uma das maiores riquezas nacionais que tende a desaparecer é a nossa ruralidade mediante a visão periférica da Europa. Quando me desloco pelo nosso mundo rural sinto que sou daqui, deste Portugal a que chamam profundo, erradamente. Se algo tem de profundo é nas raízes que nos unem à terra e que não nos deixa abandonar estes territórios únicos.

A tragédia dos incêndios de Pedrogão Grande coloca-me num grande dilema. Depois de ouvirmos tantos especialistas, teóricos, técnicos e as populações fica eternamente a duvida se temos que viver para sempre com este desígnio nacional.

O património Humano destruído por esta tragédia ofusca as outras tragédias, desde logo a enorme perda de biodiversidade e a destruição de ecossistemas fundamentais para a retenção de carbono (é de realçar a extensão de território florestal destruído apenas nesta semana e a enorme pegada carbónica destes incêndios). Sendo a área florestal da zona centro um enorme pulmão que agora desaparece se somarmos com as áreas mais a norte (por exemplo Arouca) ardidas no ano passado ou o interior algarvio, a Serra de São Mamede a Serra da Estrela, a Peneda Gerês (entre outras) vemos um mapa de Portugal que se destrói e reconstrói ciclicamente. Estas alterações da paisagem raramente trazem ordenamento, respeito pela biodiversidade e pelas regras de segurança das populações e leis (nas quais somos pródigos e ricos).

Com estas dimensões da catástrofe (Humana e ambiental) vamos perdendo outras dimensões, desde logo a ruralidade, na qual identifico a capacidade de viver nestes concelhos, de não baixar os braços e pelo respeito que se tem para com os antepassados. As pessoas que perderam a sua vida e todas as outras que ficaram com o seu património destruído não devem ficar sem um tributo de todos nós e não basta ser solidário agora. Devemos força para que exista uma verdadeira coordenação nacional permanente, uma aposta em equipas de sapadores de prevenção durante todo o ano que façam aplicar as leis no domínio público e em articulação com as autoridades obriguem os particulares à sua autoproteção e dos seus recursos. As autarquias e Juntas de freguesia, bem como os bombeiros de concelhos florestais devem ser reforçadas com recursos humanos especializados e meios técnicos, competências operacionais e planos reais, específicos, adaptados e avaliados permanentemente.

Temos que assumir que fomos todos e somos todos que perdemos quando não protegemos os nossos interesses comuns. A aposta numa floresta ordenada com recurso a espécies endémicas como o castanheiro, o medronheiro, os carvalhos, as azinheiras e sobreiros (atendendo ao perfil climático da região seja atlântico ou mediterrânico) em alternância com a criação de bolsas florestais de pinhal e eucalipto bem delimitadas e ordenadas e implementando uma rede de cooperativas florestais que suportem e apoiem os pequenos proprietários florestais em zonas com a particularidade desta. A criação do cadastro florestal permitirá ao estado cobrar impostos e reverter responsabilidades que agora morrem solteiras pois ninguém sabe quem é o dono, mas na hora de cortar os eucaliptos e receber um “dinheirinho” aparecem e voltam a desaparecer!

Foram horas trágicas as vividas em Pedrogão Grande, vidas perdidas pela inoperância de um pais inteiro. Todos somos Portugal e bem o vemos na hora de encher armazéns com roupa e bens alimentares, mas não somos capazes de nos unir para exigir que isto nunca mais aconteça.

Pedrogão ardeu talvez pela mão da natureza, mas foi o Homem que a desordenou, que lhe tirou defesas, que a abandonou, que cortou as tais raízes do Portugal profundo e partiu, ficando para trás aldeias perdidas dentro do grande pulmão de Portugal que agora está negro como o do fumador que sabe que fumar mata e todos os dias volta a por o cigarro na boca sem pensar nas consequências. Sejamos capazes de nos amarmos mais, de nos protegermos mais e de sermos mais Portugal, sem medo de nos criticarmos mutuamente para melhorar. Não creio que seja necessário demitir ministros, mas sim demitir um povo inteiro que se auto mutila, qual karma.

 

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