Miguel AntunesOpinião
19 Abril, 2016

Rua do Espírito Santo

Era nessa rua, como em muitas outras ao longo do centro histórico, que se celebravam os mastros, festas populares com muita sardinha assada e “bailo”.

Hoje proponho a descida desde o largo das Almas até ao largo de S. Vicente, vamos percorrer a rua do Espirito Santo. Esta rua liga duas zonas do centro histórico de Elvas que me dizem muito. É a rua que permite ir de casa dos meus avôs paternos a casa dos maternos. É uma rua que tem uma aura que me despertou a atenção e curiosidade desde muito novo.

Se há muitos séculos atrás, ainda antes que chegasse a Elvas o domínio dos cristãos comandados por Sancho II, este era o eixo estruturante da malha urbana, com a utilização da rua de S. Pedro. Paralela a esta, e já fora da muralha taifal, surgirá depois a rua do Cano, oficialmente Sá da Bandeira, e à posteriori uma terceira via, à qual dedico estas linhas, a rua do Espirito Santo.

Uma das recordações que guardo, e que me retorna a esta rua, são as noites de princípios de verão, as festas do solstício, que a igreja católica transformou e cristianizou na efeméride de S. João Batista, apagando as memorias do deus romano Janus, e que em Portugal celebramos em conjuntos com S. Pedro e Santo António como santos populares.

RuaEspiritoSanto

Era nessa rua, como em muitas outras ao longo do centro histórico, que se celebravam os mastros, festas populares com muita sardinha assada e “bailo”. Recordo-me das bandeirinhas de papel que decoravam a rua oscilando lá no alto, enquanto eu corria e jogava, tentando fugir aos meus amigos e à colisão com aqueles que dançavam nessas noites quentes de junho em plena rua.

É uma rua estranha, talvez por estar dividida em dois tramos separados por umas escadas que lhe dão quase a sensação de fronteira e que seguramente lhe marcam a personalidade. Imaginem uma rua que se articula desde o adro da igreja do Espirito Santo, e que para vencer esse desnível utiliza as escadas fronteiras ao templo, delimitando o espaço nascente e poente da rua. Esta igreja do Espirito Santo, de fundação trecentista, foi demolida no rescaldo do liberalismo lusitano, e hoje o que era esse templo é o largo ocupado pela travessa Nova do Espirito Santo, e no qual se encontra uma lápide que perpetua a existência neste local do templo.

Outra lapida existe nesta rua recordando-nos que a tradição identifica que aqui nasceu Iria Gonçalves, mãe de Nuno Alvares Pereira, o Santo Condestável.

Regressar física e literariamente a esta rua, que também foi dedicada a S. Miguel em época medieval, é recordar-me da cantiga que entoava a minha avó e que dizia que nessa rua não se podia namorar, pois se de dia eram as velhas à porta à noite estorvavam os cães uivando.

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