ActualOpinião
30 Maio, 2025

Estou zangado

Dei por mim realmente imerso nesta experiência interativa e comecei a pensar para mim mesmo: "José, se soubesses o que sabes hoje, em vez de tirar a licenciatura, terias tornado-te influencer."

Sim, caro leitor, estou zangado desde a altura das eleições. Não por causa dos resultados eleitorais, onde um partido de extrema-direita conseguiu eleger 58 parolos. Também não estou chateado por vários comentadores passarem horas a tentar explicar os resultados do Chega, que eles próprios não compreendem. Também não estou furioso por ouvir Pacheco Pereira, à meia-noite de um sábado, a falar sobre teorias políticas que só ele entende.

A minha irritação também não tem nada a ver com o facto de estar às turras com a editora que vai lançar o meu livro. O que me chateia profundamente é o TikTok. Sim, esse cantinho digital cheio de boa educação e bons costumes, onde gente com a escola da vida faz questão de mostrar os seus elevados valores morais que regem a nossa sociedade.

Sinto que fui ultrapassado pelos novos tempos — que são os tempos da estupidez — sobre os quais a minha licenciatura pouco vale. Senão vejamos: entrei no TikTok pela primeira vez há cerca de dois meses. O primeiro vídeo que me apareceu no ecrã foi de um jovem a berrar como um porco suíno, no qual gritava: “Vocês são uma merda! Perco as batalhas todas porque não me dão as rosas e os leões! Os outros fazem dez mil em duas semanas, a mim não me dão nada, eu que crio imenso conteúdo criativo para vocês.”

Eu, que não sabia para que é que ele queria rosas e leões, fui pesquisar. Afinal, ter animais de estimação em casa como um leão é perigoso. Ora, rapidamente percebi que os seguidores — gente que mal consegue ter dinheiro para fazer uma vida confortável — gasta dinheiro do seu bolso para oferecer rosas e leões que se traduzem automaticamente em dinheiro que vai diretamente para a conta destes jovens artistas.

Sim, caro leitor, leu bem: pessoas de classe média-baixa gastam dinheiro para estes artistas simplesmente dizerem: “Obrigado, D. Júlia, pela rosa, é uma querida.” Mas talvez esteja a julgar mal estes jovens que fazem arte. Talvez haja realmente bom conteúdo nas suas páginas.

Ao entrar na conta deste jovem, vi conteúdo realmente criativo. Num dos vídeos, aparece vestido de mulher (sendo homem), a cantar músicas da Hannah Montana. Noutro vídeo, aparece a gritar para os seus seguidores, a pedir que lhe deem dinheiro para comprar uma dentadura nova. Sim, esqueci-me de referir que o influencer é desdentado — acontece aos melhores.

Mas talvez este jovem seja apenas um caso isolado. Não podemos julgar uma comunidade inteira de jovens artistas por um caso. Fiz scroll e apareceu-me outro influencer, que surgia a pedir dinheiro para uma coluna, para poder fazer a sua arte, que é dançar numa praça do Porto em cima dos turistas, que fogem dele a sete pés. Tal como eu, o gajo é coxo. Só que, em vez de escrever para a Perspetiva, ganha dinheiro no TikTok a fazer figura de parvo.

Mas isto são apenas dois casos de muitos que existem nesta rede social. Para além dos vídeos criativos, existem as lives, que, além de servirem para pedir dinheiro descaradamente, também servem para falar de drogas, festas e para haver discussões severas sobre tópicos muito interessantes, tais como: “Dei-te dez paus para fumares ganza e ainda não mos devolveste.”

Dei por mim realmente imerso nesta experiência interativa e comecei a pensar para mim mesmo: “José, se soubesses o que sabes hoje, em vez de tirar a licenciatura, terias tornado-te influencer.”

Antigamente, os jovens da minha geração viam a MTV, onde se aprendia a gostar de música, aprendia-se mais sobre a indústria musical, e onde havia um gosto pela arte de jovens músicos. Agora, nesta geração, aprende-se também com artistas, mas são artistas cuja arte é pedir dinheiro, dizer palavrões, fumar droga e incitar à violência verbal, sexual e física.

O que mais me espanta — e talvez seja ingénuo — é o machismo e a hipersexualização das mulheres nesta rede social. Os influencers mais famosos são os que mais baboseiras dizem acerca do corpo feminino.

Talvez consigamos perceber, através desta rede social, a sociedade em que vivemos atualmente. Talvez o TikTok português seja o reflexo da mentalidade do tuga comum. Mas o mais preocupante é a influência que o TikTok está a ter nas novas gerações, onde adolescentes consideram normal as drogas, a sexualização das mulheres, a linguagem marginal e o modo de vida tóxico e fácil que o TikTok proporciona.

Em vez de passarmos horas e horas a procurar perceber, através de estudos e mais estudos, a ascensão de partidos extremistas, talvez, enquanto jornalistas, devamos olhar bem a fundo para o que se passa nas redes sociais, e entender como se pode — e deve — pressionar os governos a regular as redes sociais.

Aliás, vou mais a fundo: talvez devêssemos considerar, de forma temporária, a suspensão do TikTok em Portugal até percebermos a raiz principal do problema.

Porque está em causa a educação das gerações que vêm a seguir. Está em causa a integridade cívica e cultural dos jovens adolescentes e a sua perceção da própria realidade. 

José Martins – Jornalista

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