Luís BonixeOpinião
21 Julho, 2018

Ainda há quem chore pelas rádios locais?

Passados 30 anos é preciso (e urgente) repensar o conceito de rádio local em Portugal. Perceber que não pode estar tudo no mesmo saco e, acima de tudo, salvaguardar aquelas que com esforço continuam a persistir num jornalismo e comunicação de proximidade.

Há três décadas, aos microfones de algumas rádios pirata ouvia-se choro. O governo de então tinha decidido abrir concurso para a legalização da radiodifusão local em Portugal, mas para que isso acontecesse, as rádios que emitiam sem licença, tinham de encerrar as emissões enquanto decorria a avaliação dos projetos. E ninguém sabia se voltariam a emitir.

Foram momentos de incerteza para muitas emissoras. Depois de conquistarem as audiências, de firmarem contratos de publicidade (o que não deixa de ser interessante, considerando que não possuíam alvará para emitir) viam-se agora na obrigação de colocar um ponto na emissão. E para muitas rádios, esse ponto foi mesmo o final.

Ainda guardo na memória a emissão da Rádio Cidade das vésperas de Natal de 1988. Era uma rádio diferente que apostava num público jovem. Com uma linguagem apelativa e sedutora, propositadamente com sotaque de português do Brasil. Aquela emissão foi de despedida. Pesadona, tal como a da Rádio Arremesso, outra emissora local, à época, da minha zona de residência. Não foi o fim para nenhuma delas, mas poderia ter sido.

O fim viria anos mais tarde. Para uma e para outra. E para tantas outras.

Em 2018, passam 30 anos desde a legalização das rádios locais portuguesas e só com esforço encontramos por este país o mesmo espírito de há três décadas. As rádios locais são hoje muito diferentes. As ondas hertzianas estão muito povoadas e diversificadas. É um cenário complexo que integra emissoras que ainda conservam a sua missão de proximidade com as comunidades e outras que nada têm a ver com o objetivo para o qual foram criadas.

Passados 30 anos é preciso (e urgente) repensar o conceito de rádio local em Portugal. Perceber que não pode estar tudo no mesmo saco e, acima de tudo, salvaguardar aquelas que com esforço continuam a persistir num jornalismo e comunicação de proximidade.

A Rádio Arremesso já não existe. Deu lugar a uma dessas rádios que nada têm a ver com a comunidade onde se insere. E a Rádio Cidade está integrada num enorme grupo de comunicação que tem todos os objetivos, menos o de gerar projetos de proximidade.

Repensar a radiodifusão local portuguesa passa por admitir que o modelo falhou. Que num país com esta dimensão seria difícil manter projetos de rádio em todos os concelhos. E, em alguns casos (demasiados), mais que duas rádios no mesmo município. É preciso olhar para a comunidade, para a proximidade e para o local e ver neles o modelo de negócio que distingue estes, de outros projetos de comunicação.

Trinta anos nos separam do choro aos microfones das rádios que temiam pelo futuro, mas é preciso lembrar que a rádio local é ainda geradora de um sentimento de partilha e de pertença. E que nela ainda há quem resista e acredite que é através do seu som que se preserva a memória coletiva de uma comunidade.

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