ActualLuís BonixeOpinião
5 Fevereiro, 2018

Andei na pior secundária do país

Tenho dúvidas que sirva para muito mais do que contribuir para a estigmatização daqueles que frequentam as “piores” escolas e alimentar os “egos” dos que julgam frequentar “as melhores”.

Bem me lembro das conversas em grupo na escadaria por debaixo do Bloco A, que nos dava acesso ao campo de futebol lá em baixo. Daqueles que me recordo e de outros a quem perdi o rasto por falta de tempo (que é sempre a justificação mais conveniente para não nos encontramos com alguém) sei que alguns são assistentes sociais, outros advogados, juízes, jornalistas, professores, educadores de infância, jogadores de futebol, músicos, empregados de mesa, funcionários de empresas de transportes públicos. Porque as escolas devem ser assim: promotoras de diversidade.

A Escola Secundária da Baixa da Banheira, que por acaso não fica na Baixa da Banheira, voltou a ficar no último lugar do ranking de escolas recentemente divulgado pelos média. No meu tempo, há mais ou menos duas décadas e meia, não havia rankings e por isso não faço ideia se seríamos a pior escola do país. Já nessa altura, a escola estava onde está hoje, encaixada num bairro complicado. Complexo. Onde residem gentes de várias origens geográficas, sociais e culturais. Mas não foi isso que nos impediu de participar em projetos, jogar à bola ou sair dali para universidades; umas públicas outras privadas.

A divulgação dos rankings foi uma batalha do jornal Público. Tenho dúvidas que sirva para muito mais do que contribuir para a estigmatização daqueles que frequentam as “piores” escolas e alimentar os “egos” dos que julgam frequentar “as melhores”. O ranking das escolas é sobretudo um contributo para olhar para a educação como se de um campeonato se tratasse. E há campeonatos para todos os gostos: a melhor escola do país, a melhor escola do distrito, a melhor escola do concelho! Todas e cada uma arranjará forma de ser a melhor. Menos, as que são as piores.

Em regra, o trabalho dos média nesta matéria é simplista e pouco aprofundado. Lança-se a “melhor” e a “pior”, mas não se procuram as causas para isso. Falta reportagem e trabalho de campo longe dos holofotes que os números do ranking proporcionam. Falta olhar para a escola e para o que a rodeia.

Lá diz com muita razão o professor Nelson Traquina que o jornalismo noticia acontecimentos, não problemáticas. E neste assunto, é mesmo preciso ir ao fundo da questão, porque a questão é muito séria.

A Secundária da Baixa da Banheira e outras no fim da lista terão muita dificuldade em sair desses lugares. À conta de serem vistas como “as piores”, as famílias não querem colocar lá os seus filhos. Não porque conheçam as escolas, mas porque são as “piores”. Ouviram dizer. Leram nos jornais. Viram na televisão. Os rankings têm também essa consequência, ajudam a guetizar as escolas. Hoje, para aquelas escolas vai quem não conseguiu entrar noutra. E isso não ajuda ninguém. Sobretudo não ajuda quem nelas trabalha e estuda e se esforça por lutar contra o rótulo de um ranking.

 

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